Drª. Maria Regina Sversut Briante
Médica Infectologista
É uma doença infecciosa crônica, que é causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que afeta principalmente os nervos e pele, mas também pode acometer outros órgãos, como olhos, testículos, fígado e articulações. A doença atinge pessoas de ambos os sexos e de todas as faixas etárias, podendo apresentar evolução lenta e progressiva e, quando não tratada ou tardiamente tratada, pode causar deformidades e incapacidades físicas, muitas vezes irreversíveis.
Hanseníase é uma doença milenar, com relatos de até 4.000 anos antes de Cristo [segundo um papiro da época de Ramsés II (Serviço Nacional de Lepra, 1960)] que, apesar de ser curável, ainda permanece endêmica em várias regiões do mundo. De acordo com dados de 2022, seguindo uma tendência dos anos anteriores, o Brasil permanece como o segundo país com mais casos de hanseníase no mundo, atrás apenas da Índia. Além disso, o Mato-Grosso é o estado com mais casos novos da doença no Brasil, apresentando, em 2022, uma taxa de detecção de 66,20 casos novos por 100 mil habitantes, caracterizando o estado como hiperendêmico.
Ao contrário do que se pensava antigamente, a transmissão não ocorre pelo contato físico, mas sim pelo ar (tosse, espirro, fala). A principal fonte de infecção pelo bacilo são indivíduos acometidos pela hanseníase não tratados que eliminam o microrganismo pelas vias aéreas superiores, infectando outras pessoas suscetíveis. Estima-se que apenas uma parcela da população que entra em contato com a bactéria irá desenvolver a doença. A transmissão ocorre pelo contato próximo e prolongado (em média um convívio de 3 a 5 anos), ocorrendo geralmente entre os contatos domiciliares.
O período de incubação é o tempo em que uma doença leva para manifestar sinais e sintomas após o contato/ transmissão do microrganismo. Por exemplo, na Covid-19 o período médio de incubação da doença é de 5 dias. Já na hanseníase este período de incubação pode ser muito longo. Estima-se que após o contato com o bacilo, o aparecimento dos sintomas demore em média cinco anos para se manifestar, havendo relatos de casos em que os sintomas apareceram após um ano do contato, e outros em que a incubação demorou até vinte anos ou mais. Por esse motivo, quando uma pessoa é diagnosticada com hanseníase, todos os contatos domiciliares (pessoas que residem na mesma casa), devem ser avaliadas para verificar se já não há outros casos positivos na família e, caso não seja detectado neste primeiro momento, estes devem ser avaliados uma vez ao ano por pelo menos 5 anos, uma vez que os sintomas da doença podem demorar longos períodos para se manifestar. Por este motivo, é muito difícil saber qual foi o contato que transmitiu a doença para o outro.
Os sintomas “clássicos” e que a maioria das pessoas conhecem são:
No entanto, a hanseníase pode se apresentar de diversas formas, sendo que nem sempre a pessoa infectada irá apresentar manchas hipocrômicas e, na maioria dos casos em que essas manchas estão presentes, elas não são tão visíveis e bem delimitadas. Por isso é importante a avaliação de um médico especialista nesta área, para detectar estes tipos de manchas.
Além disso, outros sintomas muito comuns, que são reflexo do acometimento dos nervos periféricos pelo bacilo, são os seguintes:
Outros sintomas que também podem estar presentes são:
Fibromialgia, neuropatia diabética ou outros tipos de neuropatia, síndrome do túnel do carpo, infecções fúngicas da pele, hérnia de disco, dentre outros.
O diagnóstico é eminentemente clínico, ou seja, na maioria das vezes não é preciso confirmar a doença por exames complementares e um exame complementar negativo não exclui o diagnóstico!!
O Ministério da Saúde do Brasil define um caso de hanseníase pela presença de pelo um ou mais dos seguintes critérios:
1) Lesão ou área da pele com alteração de sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/ou tátil;
2) Espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas;
3) Presença do Mycobacterium leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço intradérmico ou na biópsia de pele.
Destaca-se que, o exame físico minucioso é importantíssimo para o diagnóstico precoce da doença, onde há poucos sinais e sintomas. Neste exame, o médico avalia principalmente os nervos periféricos, procura manchas ou áreas com alteração de sensibilidade, examina a sensibilidade das mãos e dos pés com um instrumento chamado estesiômetro e avalia a força distal dos membros.
Além disso, existem alguns exames complementares que podem ser solicitados para auxiliar no diagnóstico, por exemplo: baciloscopia, biópsia de pele, eletroneuromiografia, ultrassom de nervos periféricos, PCR e sorologia.
SIM! Hanseníase tem tratamento e tem cura!!
À depender da classificação (multibacilar e paucibacilar) identificada pelo médico, o tratamento pode ser de 6 meses a 1 ano, com alguns casos necessitando de prolongamento do tratamento por até 2 anos.
Chamada de Poliquimioterapia única (PQT-U), a Rifampicina, Dapsona e Clofazimina são as medicações preconizadas como de primeira escolha e são fornecidas gratuitamente pelo SUS. Porém, existem outras opções de tratamento alternativo em casos de contraindicação a alguma dessas drogas ou em caso de eventos adversos.
O diagnóstico tardio pode levar à consequências muitas vezes irreversíveis, como por exemplo, perda parcial ou total da sensibilidade, perda parcial ou total da força ou deformidades nas mãos e nos pés, úlceras crônicas que podem evoluir para osteomielite (infecção óssea) e até mesmo amputação dos pés. Outra consequência muito comum é a dor neuropática crônica, devido ao acometimento dos nervos sem o tratamento em tempo hábil, ou seja, se trata de dores do tipo pontada, “agulhada”, “ferroada” ou queimação nas pernas ou nos braços.